terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Resumo de livro – História do Direito no Brasil Capítulo IV Horizontes Ideológicos da Cultura Jurídica Brasileira


4.1. Tragetória sócio-política do Direito Público
            Com formação autônoma a partir dos parâmetros institucionais consolidados com a Independência do país, a história do Direito Público no Brasil, possui como alguns fatores reconhecidos como causas impulsionadoras de sua doutrina, sendo elas a influência das Revoluções Francesa e Norte-Americana, movimentos do século XVIII com declarações de filosofias liberais e individualistas, a vinda da Família Real e a eclosão de um nacionalismo aliado à aspiração ardente de independência dos povos latino-americanos.
            O Constitucionalismo em seu sentido clássico representava a concepção técnico-formal do liberalismo político na esfera do Direito, sendo sustentáculo retórico do Direito Público do período pós-independência, expressou a junção de algumas diretrizes, como o liberalismo econômico sem a intervenção do Estado, o dogma da livre-iniciativa, a limitação do poder centralizador do governante e a supremacia dos direitos individuais. Tinha como fundamentos o Constitucionalismo francês, usando também o liberalismo inglês, no que aglutinava preceitos que consolidavam uma estrutura de Estado parlamentar com um Poder Moderador atribuído ao Imperador.
            Divisão clássica dos poderes em Executivo, presidido pelo Imperador e exercido por um Conselho de Ministros  e o Legislativo, com uma Câmara temporária e Senado vitalício. Os direitos políticos eram atribuídos aos grupos com certo nível de renda.
            Sob uma perspectiva histórica-política, a questão abolicionista, a crise militar e o estremecimento das relações entre a Igreja e o Estado foram responsáveis pelo enfraquecimento da monarquia. Mas foi a crise econômica uma das razões principais para o desmantelamento do Império e o surgimento do Estado Liberal-oligárquico Republicano em 1889. A República foi proclamada com a completa exclusão do povo.
            Quanto a dinâmica produtiva, a base econômica do Império era a produção de cana-de-açúcar e o monopólio político era na zona nordestina. Na República era o café e o domínio político estava mais ao sul, em Minas Gerais e São Paulo.
            O arcabouço ideológico do texto constitucional de 1891expressava valores assentados na filosofia política republicano-positivista.
            A estrutura social sofreu substanciais modificações na medida que se dava a decadência do suporte escravocrata e a ascensão de uma ainda pequena burguesia urbana que valia-se de uma economia agroexportadora.
            As duas primeiras constituições, elaboradas no século XIX, foram imbuídas profundamente pela particularidade de um individualismo liberal-conservador, expressando formas de governabilidade e de representação sem nenhum vínculo com a vontade e com a participação popular.
            Ainda na primeira metade do século XX, forças emergentes insatisfeitas procuraram reagir à máquina político-jurídica da oligarquia cafeeira antinacionalista. Frente à inércia dos segmentos hegemônicos dissidentes e de uma sociedade fragmentada pelos poderes regionais, o Estado acabou projetando-se para ocupar o vazio existente, como o “único sujeito político” apto a unificar, nacionalmente, a sociedade burguesa e de fomentar o moderno arranque do desenvolvimento industrial.
            O Constitucionalismo brasileiro, quer em sua primeira fase politica, quer em sua etapa social posterior, expressou os intentos de regulamentação das elites agrárias locais. As demais constituições brasileiras, representaram sempre um Constitucionalismo de base não-democrática. A Constituição de 1934 introduziu, pela primeira vez, os postulados do Constitucionalismo social no país. A Constituição de 1937 instituiu o autoritarismo corporativista do Estado Novo e implantou uma ditadura do Executivo. A Constituição Republicana de 1946 reestabeleceu a democracia formal representativa, a independência aparente dos poderes, a autonomia relativa das unidades federativas e a garantia dos direitos civis fundamentais.
            As diretrizes que alimentaram o Direito Público, na década de 60, foram geradas pelas cartas constitucionais centralizadoras arbitrárias, ilegítimas e antidemocráticas. A Constituição de 1988 expressou importantes avanços da sociedade civil e materializou a consagração de direitos alcançados pela participação de movimentos sociais organizados.
            A conclusão que se pode extrair da evolução do Direito Público, é que ele foi marcado ideologicamente por uma perspectiva de nítido perfil liberal-conservador, calcada numa lógica de ação atravessada por temas muito relevantes para as elites.
            O Constitucionalismo brasileiro nunca deixou de ser, o contínuo produto da “conciliação-compromisso” entre o patrimonialismo autoritário modernizante e o liberalismo burguês conservador.

4.2. As instituições privadas e a tradição jurídica individualista
            Numa estrutura agrária escravocrata, como a brasileira do século XIX, não havia lugar para o abrigo de concepções avançadas na esfera do Direito Privado, a sociedade escravocrata repelia a introdução de normas modernas nesse âmbito.
            É inegável que a duplicidade das leis na esfera privada e a passividade do legislador com relação ao instituto da escravidão encontravam firme guarida nas elites agrárias, que admitiam adaptações legislativas e introjeções liberais, desde que não modificassem as relações de produção.
            Somente em 1855 o governo imperial incumbiu Teixeira de Freitas de preparar a Consolidação de nossas leis civis, que foi concluída em 1857. Em 1859 começou a elaborar um Projeto de Código Civil, entretanto descontente com a pouca valoração do seu trabalho e contrariado em suas posições acerca da unificação do Direito Privado, suspendeu a execução do contrato, deixando o Esboço incompleto. As três tentativas de Codificação Civil que atravessaram o Império malograram sem que tivessem obtido sucesso.
            A Codificação Civil, enquanto uma das primeiras grandes realizações da jovem República, traduzia , os intentos de uma classe média consciente e receptiva aos ideais liberais, mas igualmente comprometida com o poder oligárquico familiar. Certamente o Direito civil brasileiro, tendo suas raízes no velho Direito metropolitano, seria pouco eficaz e fracassaria em inúmeras questões essenciais. Somente em 2002 o Código civil tentou adequar a legislação civil à Constituição brasileira de 1988.
            Tanto a legislação privada quanto as políticas públicas impostas por um Estado oligárquico e autoritário não conseguiram enfrentar e solucionar adequadamente as agudas questões estruturais da sociedade no Brasil. Em que pesem as profundas e céleres mudanças vivenciadas pela sociedade brasileira contemporânea, basta o exame atento das fontes históricas, da evolução e da aplicação dos dispositivos do Código Civil em vigor, engendrado no ideário doutrinário do final do século XX, para se ter com muita clareza um perfil ideológico e o grau de comprometimento do Direito Privado como um todo. Sua filosofia tem reproduzido já de longa data os princípios do individualismo burguês, o legado colonial de práticas institucionais burocrático-patrimonialistas e as crescentes demandas transindividuais.

4.3. Historicidade e natureza do pensamento jusfilosófico nacional
            Aponta-se que os primórdios de um trabalho e cunho jusfilosófico, no Brasil, teriam aparecido somente o século XVIII, de autoria do poeta inconfidente de nacionalidade portuguesa Tomás Antonio Gonzaga e destinava-se claramente a não desagradar os meios culturais dominantes na Metrópole.
            O jusnaturalismo foi incorporando ao longo do século XIX, certos matizes do racionalismo iluminista e do individualismo liberal. O ecletismo foi a Filosofia oficial no Brasil entre 1840  e 1880, numa tentativa de hegemonia filosófica única em toda a nossa história de ideias.
            Positivismo e evolucionismo são as duas rubricas teóricas com as quais se pode resumir um conjunto de ideias novas que povoaram o final do século com mais significativo influxo sobre a teoria jurídica. Embora muitos pensadores brasileiros tenham feito uma transição entre o positivismo e o evolucionismo, não há que negar que o comtismo ortodoxo ou em suas múltiplas heterodoxias contou com a preferência da intelectualidade do sul do país.
            A larga influência do positivismo sobre a intelectualidade brasileira no final do século acabou produzindo um ambiente renovador de pesquisa e de sistematização  das ideias na Escola do Recife. Esta foi, o baluarte jurídico mais expressivo de reação às diversas variantes do idealismo jusnaturalista instituído e o núcleo impulsionador básico à codificação da legislação privada no país.
            Múltiplas implicações para a cultura jurídica brasileira advêm da irradiação positiva e negativa da Escola de Recife. À parte seus frutos incontestes, de romper com a metafísica e com a lógica imperantes do período colonial, bem como de estimular a modernização das instituições politico-legais e de propelir uma ordenação histórico-sociológica da cultura nacional, impõe-se assinalar sua função ideológica na produção de nova consciência jurídica burguesa laicizada, mas não menos presa, à mentalidade legal dogmática e à manutenção da ordem vigente em face das transformações por que passava a sociedade, com a derrocada do Império e o aparecimento da República.
            Como consequência desse processo histórico da crescente produção jurídica filosófica e sociológica, na teoria e na práxis social, emerge uma plêiade de novos juristas e novos aportes teórico-práticos, comprometidos com um horizonte social mais justo.





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